Fogos de artifício. Castiçais de ouro. Rosas brancas já fora de seus jardins. Veludo. Hóstias, vinho e incenso prontos. Eis o cenário de mais uma missa. Mas não é uma missa qualquer, é dia da virgem protetora, é festa no meu interior.
Bem pertinho da segunda chamada do sino na catedral, o padre chega dirigindo seu sedã prata. As beatas andam léguas, umas com flores e terços nas mãos; outras, mais íntimas do vigário, trazem envelopes, estatísticas e dinheiro. A festa coincide com os primeiros dias do mês, é tempo de arrecadar os dez por cento dos fiéis. Aqui no interior o pagamento do dízimo é coisa séria, é indicativo de status social e ganha as vertentes mais excludentes que se possa imaginar. Há uma celebração toda especial dedicada àqueles que pagam. Se você paga o dízimo, participa de sorteios durante a missa, de bingos ao término dela, é mencionado, chamado pelo nome e agraciado com a simpatia indiscutível do padre que conhece bem seus clientes, quer dizer, suas ovelhas. Há uma campanha tão ferrenha em prol da adesão de mais pessoas ao hábito de doar uma quantia fixa à igreja todos os meses, que nem as crianças escapam: dez por cento de vossas mesadas e vinde a mim as criancinhas.
Chega a noite. Sete horas em ponto. E sai da igreja o cortejo em procissão pelas ruas da cidade. À frente, logo depois do crucifixo, a autoridade religiosa com as mãos postas em gesto de serenidade e oração, nas laterais crianças batendo palmas, todos vestidos de vermelho e branco. Logo em seguida os idosos, a banda marcial entoando ave marias e as pessoas comuns alternando o esforço de carregar a imagem da santa.
Do lado de cá, o carro de som se prepara, as cadeiras já estão postas nas ruas. É missa campal. Depois de voltas na cidade e de muitos fogos enfeitando o céu, a missa segue com pregações e louvores. Ao fim, o anúncio entusiasmado do padre aos queridos dizimistas, veja bem, entre tantos que assistem a missa, a novidade é para os di-zi-mis-tas. Há ali cinco valiosos prêmios, há inclusive um fogão de seis bocas que será sorteado como prêmio no bingo da padroeira.
Enquanto isso, do outro lado da rua há quem chore a falta de gás no botijão, há quem clame aos céus auxilio na falta do que comer, isso já nem é novidade. Do lado de cá, palmas e vivas de hipocrisia. No meio de tudo, a dona da festa que esculpida e guardada num oratório de vidro, observa indiferente o que acontece ao seu redor. Talvez acima haja algo mais.